sábado, 13 de dezembro de 2014

Veja São Paulo

O controverso uso da ibogaína no tratamento contra o vício em drogas

Droga alucinógena extraída da raiz de uma planta africana é usada por paulistanos para se livrarem do vício da cocaína, do crack e da heroína



Por cerca de quinze anos, o palestrante Gadyro Nakaya Schmeling, de 36 anos, viveu dominado pela compulsão por cocaína, heroína e crack. Isso deixou nele marcas profundas: morou na Cracolândia por oito meses, roubou e foi preso, fugiu de mais de quarenta internações e chegou a ser acorrentado pelo pai em casa. “Nadafuncionava”, relembra.
Até que conheceu, pela internet, a ibogaína. Com um potente efeito alucinógeno, a substância é extraída da raiz da iboga, uma planta africana. Tem sido usada nos últimos tempos nas terapias de desintoxicação, pois amenizaria os terríveis sintomas da abstinência, a principal causa de recaída dos viciados. “Tomei uma dose única em outubro de 2012. Ela é forte e provoca uma sensação horrível, de morte. Mas nunca mais tive vontade de usar qualquer droga”, conta Schmeling.
A exemplo do que ocorreu com o consultor, várias pessoas na mesma situação estão procurando esse tratamento, ainda bastante controverso para muitos médicos. Entre outros efeitos arriscados, a ibogaína baixa muito a frequência cardíaca do usuário durante o transe, o que pode ser fatal em casos de pacientes com algum problema no coração.
Um dos centros mais conhecidos que oferecem o serviço é o Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA), em Paulínia, a 119 quilômetros da capital. Um terço de seus pacientes é formado por paulistanos. Ali, o tratamento de desintoxicação custa 7 200 reais e dura cinco dias. Nesse período, são ministradas cinco doses e sessões de terapia.
Segundo a diretoria da clínica, a taxa de sucesso é de 70%. “Não estocamos o produto, tudo é importado sob medida para o paciente”, explica o terapeuta Rogério de Souza, um dos responsáveis pelo local. O comerciante Rodrigo Januário Simões, de 36 anos, passou por lá em 2012. Ele bateu às portas do IBTA para tentar livrar-se do vício de uma década em cocaína. Diz ter ficado surpreso com a eficácia do negócio. “De uma hora para a outra, minha fissura sumiu”, lembra. “Passei a ter nojo da droga.”
Descoberta oficialmente em 1962 peloamericano Howard Lotsof, um adictoem heroína que aos 19 anos estava à caçade um novo “barato”, a substância é aprovada no Canadá, na Nova Zelândia, no México e na maioria dos países da América Central. Ela é contraindicada para pessoas com quadros psicóticos, que usam determinados remédios, como antidepressivos, são alérgicas ou têm problemas cardiovasculares e no fígado.
Seus altos índices de sucesso se devem, de acordo com pesquisadores, a alguns mecanismos de ação. Em um deles, ousuário se desliga do presente e tem aimpressão de sonhar acordado. “É como uma expansão da consciência, você passa a ver a vida de outro jeito e fica mais aberto à mudança”, conta o consultor Schmeling.
Além disso, há uma ação cerebral ainda incerta. As hipóteses mais correntes afirmam que acontece um aumento nas sinapses entre os neurônios e uma reorganização dos neurotransmissores, o que explicaria o fim da fissura.

Por aqui, a substância não é ilegal, mas sua comercialização para finalidades terapêuticas é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quando há necessidade de uso do medicamento, entretanto, o órgão regulador autoriza a importação de países onde é legalizado, desde que isso seja feito com prescrição médica e exclusivamente para uso pessoal.
Apesar dos relatos de sucesso, o consumo no Brasil ainda é bastante controverso. Em setembro deste ano, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) finalizaram o primeiro levantamento nacional sobre a ibogaína. Foram selecionados 75 dependentesquímicos, entre usuários de crack, cocaína, maconha e álcool.
Todos tomaram uma ou mais doses do remédio. O resultado foi animador: 61% dos voluntários largaram a droga — nos tratamentos tradicionais, esse número despenca para 30%. “Pelo que observamos, a ibogaína é hoje a melhor opção contra o vício”, diz o médico Bruno Rasmussen Chaves, um dos autores do estudo.
De acordo com a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, trabalhos como esse precisam ser encarados com reserva, pois estão longe de ser conclusivos. Segundo ela, ainda se sabe muito pouco sobre a substância e não é possível fazer alegações sobre sua eficácia. “São necessários anos de pesquisas para confirmar os dados, mesmo que as primeiras evidências apontem para resultados positivos”, afirma.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

PLANTA EFICAZ CONTRA O VÍCIO

Pesquisa brasileira mostra que remédio feito a partir de composto extraído de árvore africana interrompeu a dependência de drogas como crack e cocaína em 72% dos casos

Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo divulgaram na semana passada resultados animadores sobre a eficácia da ibogaína no tratamento de dependências químicas. O medicamento é produzido a partir de substâncias extraídas da raiz da planta africana iboga. De acordo com trabalho conduzido na instituição, o remédio pode interromper o vício em drogas como o crack, a cocaína, a maconha e também em álcool em 72% dos casos. O artigo sobre a experiência será publicado em dezembro no “The Journal of Psychopharmacology”, importante publicação da área de farmacologia.

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PODER
Em muitos casos, foi preciso apenas uma dose
para interromper a dependência em crack


O remédio já é usado no Canadá, na Nova Zelândia e em países da América Central. Ele produz dois efeitos no cérebro. O primeiro é a elevação da concentração de uma substância capaz de criar conexões entre os neurônios e de reparar as que foram danificadas pelas drogas. A segunda é possibilitar a manutenção de quantidades adequadas de compostos cerebrais relacionados à sensação de prazer (serotononina, dopamina e noradrenalina). Dessa forma, de uma vez só, o indivíduo tem melhorado o funcionamento cerebral – antes prejudicado – e redescobre o prazer em outras coisas, e não mais nas drogas.
Na experiência da Unifesp, 75 pacientes (67 homens e oito mulheres) foram acompanhados entre 2005 e 2013. Todos haviam sido submetidos a vários tratamentos antes. “Após receberem a Ibogaína, 55% dos homens e 100% das mulheres se livraram da dependência por pelo menos um ano”, diz o médico Bruno Chaves, um dos idealizadores da pesquisa, coordenada pelo psiquiatra Dartiu Xavier. É um índice significativo, principalmente quando comparado ao obtido com a terapia tradicional, que obtém resultados semelhantes em apenas 5% a 10% dos casos.
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A maioria precisou de apenas uma dose do remédio. O dependente fica internado entre quatro e 48 horas para que receba acompanhamento médico durante a ação da ibogaína. O remédio – que tem sua importação permitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – não é alucinógeno, mas estimula a produção de sonhos.
Foto: Apu Gomes/Folhapress

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Remédio ajuda usuários de crack a se livrarem da dependência química

Ibogaína é extraída de uma planta encontrada na África Central.

Medicamento é produzido no Canadá e liberado pela Anvisa.







A ciência deu mais um passo na tentativa de encontrar um tratamento que ajude os dependentes químicos a deixar a droga. Uma equipe da Universidade Federal de São Paulo está pesquisando um medicamento feito a partir da raiz de uma planta.
O remédio é forte. O paciente tem que ser monitorado o tempo todo e passa dez horas em uma espécie de sonho, onde vê uma retrospectiva de sua vida. A partir daí, a maioria consegue se livrar da droga.
A ibogaína é uma substância extraída da raiz da iboga, uma planta encontrada na África Central, usada em rituais religiosos. O medicamento é produzido no Canadá e liberado pela Anvisa.
Pacientes cardíacos ou com certas doenças neurológicas não podem usar a ibogaína. O paciente tem que ficar um mês sem usar nenhum medicamento, álcool ou droga. Depois de uma avaliação psicológica, o paciente é liberado para o tratamento.
Os primeiros pacientes foram tratados em clínicas de reabilitação. Ele recebe o medicamento em cápsulas e fica internado. O clínico geral Bruno Rasmussen Chaves acompanhou um grupo de pacientes. Os efeitos começam depois de três horas.
“Nessa situação de pensamento começa a ter o que a gente chama de expansão de consciência. Começa a entender melhor o que está acontecendo com ele, qual o espaço dele na vida dele, qual o espaço no mundo, no universo, começa a entender porque relacionamentos não estão dando certo, perceber os erros e os acertos, vê o que tem que mudar”, diz o clínico geral.
Os pesquisadores contam que durante dez horas o paciente tem uma alteração na percepção, com a sensação de reviver a própria vida. Tem lembranças fortes, emoções e sob o efeito da ibogaína consegue ver antigos problemas de uma nova forma.
O paciente é liberado depois de 24 horas. Em seguida começa a psicoterapia. A maioria não precisou tomar outra dose do medicamento. O psiquiatra que coordenou a pesquisa Dartiu Xavier da Silveira atende dependentes químicos há 27 anos e ficou animado com os resultados.
“O estudo foi muito impressionante para gente em termos de resultados porque de 75 pacientes, 61% simplesmente abandonou a sua dependência seja de álcool, seja de crack ou cocaína. Os tratamentos habituais em geral, tratam ou curam de 30% a 35% dos dependentes. Então esse estudo preliminar é muito promissor”, fala o psiquiatra.
Entretanto, ele lembra: é preciso vontade para se livrar do vício. “A ibogaína é um elemento promissor no tratamento da dependência desde que seja bem selecionado quem vai tomar, em que circunstâncias. Existe essa vivência psicológica, algo muito intenso, transformador, mas existem também vários estudos mostrando que tem regiões do cérebro que controlam os impulsos, a sua capacidade de gerenciar as coisas que você faz e o problema da dependência química é uma falta de controle do impulso. Então, na hora que você modifica essas regiões do cérebro através da ibogaína, você de uma certa forma, a gente até brinca, é como se você formatasse o disco rígido da sua cabeça, do seu cérebro. Você reinicia o seu cérebro. Ou seja, não existe mágica. Tratar dependência é algo complexo, é algo que não se resolve num estalar de dedos”, finaliza Dartiu Xavier da Silveira.
Crack no Brasil
O Jornal Hoje flagrou os usuários do crack em três pontos do Brasil: Porto Alegre, Salvador e São José do Rio Preto (SP). Em Porto Alegre, o Morro Santa Tereza concentra muitos usuários de crack. Por isso, os moradores estão deixando o bairro e colocando as casas à venda.
A polícia de Porto Alegre instalou 18 câmeras na região central para identificar usuários e traficantes e, assim, tentar prender os criminosos. Até o ano que vem, a ideia é ampliar o projeto para outros bairros, incluindo Santa Tereza. Faz parte desse programa também o tratamento para recuperação dos drogados.
Em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, imagens mostram até crianças consumindo o crack. A Polícia Civil mapeou 40 locais utilizados pelos traficantes. Um deles é a Praça Cívica. A polícia já prendeu, de janeiro a agosto, 73 pessoas por tráfico de drogas. Cinquenta eram menores. Alguns deles foram levados para a Fundação Casa, onde recebem atendimento psicossocial, que, segundo a Fundação, inclui tratamento contra dependência de crack.
Em Salvador, a região da Gamboa é uma das mais frequentadas pelos usuários de crack. No Porto da Barra, por onde circulam muitos turistas, os usuários consomem a droga na praia mesmo. Um levantamento divulgado pelos ministérios da Justiça e da Saúde aponta a região nordeste como a que tem o maior número de usuários do Brasil.
Na Bahia, as autoridades de saúde oferecem atendimento para usuários de crack e também para os familiares. Eles também dão apoio financeiro às clínicas de recuperação.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Interessante matéria da rede UOL

Iboga, planta usada em rituais africanos , pode curar dependentes de crack


Foto: Reprodução/anthropogen.com.
Foto: Reprodução/anthropogen.com.

Estudo feito pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) indicou que a ibogaína é pelo menos cinco vezes mais eficiente para interromper a dependência química do que tratamentos convencionais. A substância é extraída da raiz da iboga, planta encontrada em alguns países africanos. “Ela é usada desde a pré-história em rituais por tribos no Gabão, na África, que professam uma religião que se chama bwiti. Eles usam essa planta em rituais de entrada na vida adulta”, explicou o médico Bruno Chaves, um dos responsáveis pela pesquisa, em entrevista à Agência Brasil. 

O estudo foi feito com 75 pacientes, entre usuários de crack, cocaína e álcool, entre janeiro de 2005 e março de 2013. Dos 67 pacientes homens, 55% ficaram livres do vício por, pelo menos, um ano. Entre as oito mulheres, a taxa foi 100%. Os tratamentos convencionais interrompem o vício em um índice que varia de 5% a 10% dos casos. Os resultados do trabalho inédito foram publicados no The Journal of Psychopharmacology, da Inglaterra, uma importante publicação na área de psicofarmacologia. 

Os participantes da pesquisa eram pessoas com histórico de dificuldades em deixar o vício. “A gente tem pacientes nesse grupo que, com 30 anos de idade, registram mais de 30 internações”, exemplificou Chaves. Eles passaram por uma avaliação psiquiátrica e uma preparação psicológica antes de serem submetidos ao tratamento. “É importante que o paciente esteja motivado para aproveitar o efeito da ibogaína”, acrescentou o médico sobre o processo de seleção. 

Originalmente a planta é usada em rituais de passagens para a vida adulta. (Foto: Reprodução).
Originalmente a planta é usada em rituais de passagens para a vida adulta. (Foto: Reprodução/kwekudee-tripdownmemorylane.blogspot.com).

A ibogaína tem efeitos semelhantes aos da , bebida feita de plantas amazônicas usada em cerimônias religiosas. “A diferença é que a ibogaína é muito mais potente do que a . Para você ter uma ideia, o efeito da  dura quatro horas. A da ibogaína dura de 24 a 48 horas”, explicou Chaves sobre a substância, que causa a sensação de expansão de consciência. “O paciente começa a perceber melhor o que ele representa na vida, qual é a função dele no planeta, quais são as coisas que está fazendo certo, o que está fazendo errado”, detalhou o médico que acompanhou os pacientes durante a administração da medicação.
Na maioria dos casos, com apenas uma dose, o medicamento corta a vontade de usar drogas e coíbe crises de abstinência. “Ela equilibra a quantidade de neurotransmissores que há no cérebro e isso faz com que o paciente tenha uma sensação de bem-estar definitiva, não é só durante o efeito da medicação. A impressão que dá é que a ibogaína interrompe o processo que leva à dependência química”, explica Chaves.
Ao acabar com o interesse pela droga, o paciente tem, segundo o médico, mais facilidade de seguir com outras etapas do tratamento, como o acompanhamento psicológico, e retomar as atividades cotidianas. Ele alerta, no entanto, para que não seja feito o uso independente da substância, que pode ter feitos colaterais, como tontura, enjoo e confusão mental, durante o período de efeito.
O objetivo agora, de acordo com Chaves, é conseguir financiamento para um estudo mais amplo, com um número maior de pacientes e testes que possam mostrar os efeitos da ibogaína no cérebro. [Da Agência Brasil]
Fonte: http://blogs.ne10.uol.com.br/mundobit/2014/10/14/iboga-planta-usada-em-rituais-africanos-pode-curar-dependentes-de-crack/

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Psicoterapia Psicodélica de volta à Tecnologia do Sagrado

Abordar a ampla e cosmológica questão dos psicodélicos e da terapia psicodélica e psicolítica nos remete ao insight de profunda sabedoria oriundo de Carl Gustav Jung, quando disse que “na base do inconsciente reside o próprio Universo”. Então, nesta primeira leitura da suprema importância das substâncias psicoativas derivadas de nossa própria história pregressa, que remonta à Noite dos Tempos, a melhor fonte é a Psicologia Transpessoal e seu gênio criador, ou no mínimo organizador, Dr. Stanislav Grof, psiquiatra tcheco da Universidade de Praga, radicado nos EUA, constelador da mais profunda Cartografia da Psique e Arquitetura da Psicopatologia mais conhecidas e inovadoras até os dias de hoje. Então, deixo ao crivo psico-analítico de cada um (difere de psicanalítico) um excerto de suas obras primas a respeito do psiquismo humano e suas mais profundas vertentes. Certamente, este será o primeiro de uma série de artigos sobre as profundezas oceânicas da psique e suas inusitadas instâncias!

Os Psicodélicos na Auto-Exploração e na Psicoterapia

O uso de substâncias psicodélicas para cura, adivinhação e comunicação tanto com os domínios celestes quanto com os níveis ctônicos pode ser encontrado desde a aurora da história humana. Desde tempos imemoriais foram utilizadas substâncias vegetais, e em casos mais raros, substâncias animais que continham alcalóides poderosos para alteração dos estados mentais com objetivos rituais e mágicos. Isto ocorreu tanto em culturas aborígenes quanto em culturas bastante desenvolvidas, em diversa partes do mundo.

Plantas e Substâncias Psicodélicas Na história da medicina chinesa há relatos a respeito de substâncias psicodélicas que podem ser encontrados já há 3.500 anos. A legendária planta poção chamada de divina haoma, na antiga Pérsia do Zend Avesta, e o soma, na antiga literatura indiana, tem interesse histórico especial. Elas foram introduzidas na Índia por invasores arianos nômades, e tiveram uma profunda influência no desenvolvimento da religião e pensamento filosófico hindus. Cento e vinte versos do Rig Veda são dedicados ao soma e exaltam os efeitos extraordinários que esta poção divina tinha em seus adoradores. Aqueles que a bebiam eram inundados por um arrebatamento extático em que "metade deles estava na terra, e a outra metade nos céus". Seus corpos eram fortalecidos, seus corações ficavam cheios de coragem, alegria e entusiasmo, suas mentes eram iluminadas e recebiam a convicção de sua imortalidade. Outra planta comum e muito difundida, com propriedades psicodélicas, que foi usada com objetivos sagrados e recreativos é o cânhamo. As folhas, botões e resina de suas variedades, tais como Cannabis sativa e Cannabis indica, têm sido fumadas e ingeridas sob diversos nomes - haxixe, kif, charas, bhang, ganja, marijuana - no Oriente Médio, África, China, Tibete, América do Norte, América do Sul e no Caribe por prazer, cura e propósitos espirituais. O cânhamo serviu como um sacramento importante para grupos tão diversos quanto as tribos aborígenes africanas, brâmanes indianos, budistas tibetanos tântricos, algumas ordens sufi, citas antigos, e os jamaicanos rastafáris. A farmacopéia psicodélica foi particularmente rica na América Central, onde diversas culturas pré-colombianas (astecas, toltecas, maias) e grupos índios contemporâneos (huichol, yaquis, mazatecas) usaram pelo menos dezesseis plantas diferentes com propriedades distintas de alteração da mente. As plantas mais famosas entre estas são o cacto peiote (Lophophora wílliamsií), os cogumelos sagrados teonanacatl ou "carne dos deuses" (Psilocybe mexicana e cubensis), e ololiuqui, que é o nome nativo das sementes de glória matutina (Turbina corymbosa). continua hoje, particularmente entre os índios Huichol, Yaqui, Cora e Tarahumara no México. Depois da guerra civil americana, a religião do peiote passou para o norte, a partir da área do Rio Grande até os Estados Unidos, e foi assimilada por mais de cinqüenta tribos americanas nativas. De acordo com algumas estimativas, mais da metade dos índios americanos (250 mil) pertencem no momento à Igreja Nativa Americana, uma religião sincretista que combina o culto do peiote com elementos cristãos. O uso cerimonial dos cogumelos Psilocybe entre os índios Mazatec mexicanos tornou-se conhecido em todo o mundo depois que a famosa curandera Maria Sabina revelou o segredo deles ao banqueiro e estudioso de cogumelos americano Gordon Wasson e à sua esposa. O psicodélico sul-americano mais famoso é ayahuasca ou yagé, preparado a partir da casca da árvore da floresta liana Banisteriopsis caapi, e é conhecido no Brasil, Peru, Equador e Colômbia sob muitos nomes nativos como Videira da Morte, Videira das Almas, e Videira Cipó da Morte (soga de muerte). Ela é ministrada em dramáticos rituais de puberdade que envolvem flagelação intensa, e é também famoso por seus poderosos efeitos purgativos, curativos, visionários e telepáticos. Os psicodélicos sul-americanos mais populares, ingeridos por aspiração, são cohoba, feito da seiva da Virola theiodora ou Virola cuspidata, e epená, da Virola calophylla e Virola theiodora. Os pós de Virola são usados por muitos grupos indígenas nas regiões amazônicas da Venezuela, Colômbia e Brasil para comunicação com o mundo dos espíritos, diagnóstico e tratamento de doenças, profecia, adivinhação e outros objetivos mágico-religiosos. O cacto de São Pedro (Trichocerus pachanoi) tem efeitos semelhantes aos do peiote, com que compartilha o alcalóide ativo mescalina. Ele tem sido usado por xamãs dos Andes equatorianos, por mais de três milênios, para adivinhação e cura.

O uso cerimonial do peiote continua hoje, particularmente entre os índios Huichol, Yaqui, Cora e Tarahumara no México. Depois da guerra civil americana, a religião do peiote passou para o norte, a partir da área do Rio Grande até os Estados Unidos, e foi assimilada por mais de cinqüenta tribos americanas nativas. De acordo com algumas estimativas, mais da metade dos índios americanos (250 mil) pertencem no momento à Igreja Nativa Americana, uma religião sincretista que combina o culto do peiote com elementos cristãos. O uso cerimonial dos cogumelos Psilocybe entre os índios Mazatec mexicanos tornou-se conhecido em todo o mundo depois que a famosa curandera Maria Sabina revelou o segredo deles ao banqueiro e estudioso de cogumelos americano Gordon Wasson e à sua esposa. O psicodélico sul-americano mais famoso é ayahuasca ou yagé, preparado a partir da casca da árvore da floresta liana Banisteriopsis caapi, e é conhecido no Brasil, Peru, Equador e Colômbia sob muitos nomes nativos como Videira da Morte, Videira das Almas, e Videira Cipó da Morte (soga de muerte). Ela é ministrada em dramáticos rituais de puberdade que envolvem flagelação intensa, e é também famoso por seus poderosos efeitos purgativos, curativos, visionários e telepáticos. Os psicodélicos sul-americanos mais populares, ingeridos por aspiração, são cohoba, feito da seiva da Virola theiodora ou Virola cuspidata, e epená, da Virola calophylla e Virola theiodora. Os pós de Virola são usados por muitos grupos indígenas nas regiões amazônicas da Venezuela, Colômbia e Brasil para comunicação com o mundo dos espíritos, diagnóstico e tratamento de doenças, profecia, adivinhação e outros objetivos mágico-religiosos. O cacto de São Pedro (Trichocerus pachanoi) tem efeitos semelhantes aos do peiote, com que compartilha o alcalóide ativo mescalina. Ele tem sido usado por xamãs dos Andes equatorianos, por mais de três milênios, para adivinhação e cura.

A longa história do uso ritual de substâncias psicodélicas contrasta agudamente com o período relativamente curto de interesse científico por esses materiais e de sua investigação sistemática, clínica e de laboratório. Louis Lewin, freqüentemente citado como o pai da moderna psicofarmacologia, coletou espécimes de peiote, levou-os para a Alemanha, e isolou diversos de seus alcalóides. Em 1897, seu colega e rival, Arthur Heffter, conseguiu a identificação química do princípio psicoativo do peiote, e o chamou mezcaline (mescalina). Os primeiros experimentos pioneirq~ com peiote foram realizados por Weir Mitchell, Havelock Ellis e Heinrich Kluever. Esta pesquisa culminou em 1927 com a publicação do livro Der Mezkalinrausch (A intoxicação por mescalina) de Kurt Beringer (Beringer, 1927). Muito pouca pesquisa psicodélica foi feita nos anos seguintes até o início da década de 1940. Aera dourada da história dos psicodélicos começou em abril de 1942 quando o químico suíço Albert Hofmann fez sua descoberta casual das extraordinárias propriedades psicoativas de minúsculas dosagens da dietilamida do ácido lisérgico (LSD-25).O novo derivado semi-sintético de ergotina, ativo em quantidades incrivelmente diminutas de milionésimos de grama (microgramas ou gramas), tornou-se, do dia para a noite, uma sensação científica. A pesquisa inspirada pela descoberta de Hofmann não ficou limitada ao LSD;levou ao renascimento do interesse pelas plantas e substâncias psicodélicas já conhecidas, e a uma avalanche de novos conhecimentos a seu respeito. Os segredos e mistérios do mundo psicodélico submeteram-se, uns após os outros, aos esforços sistemáticos da moderna pesquisa científica. Os princípios ativos das mais famosas plantas psicodélicas foram identificados quimicamente e preparados em sua forma pura nos laboratórios. O próprio Albert Hofmann desenvolveu um profundo interesse pela química das plantas psicodélicas após sua intoxicação acidental inicial com LSD-25,e planejou um autoexperimento subseqüente com esta substância. Ele conseguiu resolver o mistério dos cogumelos mexicanos sagrados, ao isolar seus alcalóides ativos, psilocibina e psilocina. Ele foi também capaz de ligar a atividade das sementes de glória matutina ao seu conteúdo de aminoácido d-lisérgico e derivados da ergotina, antes que seu trabalho científico nesta área fosse suspenso pelas medidas políticas e administrativas causadas pela existência do mercado negro psicodélico e da auto-experimentação não supervisionada e em massa realizada pelos jovens. O principal componente ativo da ayahuasca ou yagé é o alcalóide harmalina, também chamado banisterina, yageína ou telepatina. Embora sua estrutura química seja conhecida desde 1919, a moderna pesquisa química e farmacológica descobriu alguns novos dados importantes. É de particular interesse o fato de que a harmalina tem forte semelhança com substâncias que podem ser obtidas da glândula pineal, como a 10-metéxi-harmalina. Isto dá base para algumas especulações fascinantes, pois as tradições místicas atribuem grande significado à glândula pineal em relação à "abertura do terceiro olho", "estados 256 visionários", e capacidades parapsicológicas. Alcalóides derivados da harmalina foram encontrados também nos pós de cohoba e epená e na arruda síria (Peganun harmala). A ibogaína, o alcalóide psicoativo mais importante na planta africana eboga (Tabemanthe iboga), foi isolada em 1901, mas a compreensão de sua estrutura química só foi completada no final da década de 1960. Depois de muitas dificuldades, os químicos modernos também decifraram os segredos químicos do haxixe e da maconha, ao ligar seus efeitos típicos a um grupo de tetrahidrocanabinóis (THc). Uma contribuição teórica importante à compreensão de diversos materiais psicodélicos de origem vegetal e animal foi a pesquisa de derivados psicoativos da triptamina, iniciada em Budapeste, Hungria, por Bbszbrmbnyi e Szara. Dimetiltriptamina (DMT),dietiltriptamina (DET), dispropiltriptamina (DPT)e outros compostos semelhantes estão entre os responsáveis pelas propriedades de alteração da mente dos pós sul-americanos cohoba, epená e paricá, e contribuem para a eficácia das misturas de ayahuasca. No reino animal, como mencionei anteriormente, eles são os princípios ativos na pele de sapo e em suas secreções, e na carne do "peixe dos sonhos" do Pacífico (Kyphosusfuscus). O interesse teórico dos derivados da triptamina está no fato de que eles ocorrem naturalmente no organismo humano, são derivados do importante aminoácido triptofano, e estão relacionados quimicamente com os neurotransmissores. Por essas razões, eles são os candidatos lógicos para serem as substâncias endógenas psicotomiméticas que poderiam ser produzidas pelos processos metabólicos no corpo, e que têm sido freqüentemente discutidas no contexto das teorias bioquímicas das psicoses. Entre os derivados da triptamina que ocorrem naturalmente encontram-se também os alcalóides ativos dos cogumelos sagrados mexicanos psilocibina e psilocina, já mencionados. A moderna pesquisa química tem, portanto, resolvido os problemas da maioria das substâncias psicodélicas que têm tido papéis importantes na história da humanidade. Apenas o védico soma permanece um mistério, tanto botânica quanto quimicamente. Além da teoria de Wasson que o liga àAmanita muscaria, há outras relacionando-o à arruda síria (Peganun harmala), ao pinheiro chinês (Ephedra sinica), e a outras plantas. É lamentável que os esforços entusiásticos de antropólogos, botânicos, farmacologistas, químicos, psiquiatras e psicólogos, que caracterizam a pesquisa psicodélica das décadas de 1950 e 60, tenham sido impedidos tão drasticamente antes que alguns dos segredos remanescentes do mundo psicodélico pudessem abrir-se à curiosidade científica. A recente controvérsia amplamente divulgada a respeito da metilenodióxi- metanfetamina (MDMA),conhecida popularmente como XTC,ecstasy ou ADAM, atraiu a atenção dos profissionais de saúde mental bem como do público leigo, para um grande grupo de substâncias psicoativas que têm uma estrutura molecular semelhante à mescalina, à dopamina e às anfetaminas. A maioria dessas substâncias, que tem interesse para a psiquiatria, é semi-sintética. Elas não ocorrem como tal na natureza, mas seus precursores químicos são óleos voláteis encontrados na noz-moscada, no açafrão, no sassafrás, e em outras plantas e produtos botânicos. Os mais conhecidos desses psicodélicos relacionados à anfetamina são MDA(3,4-metileno-dioxianfetamina), MMDA(3-metoxi-4,5metileno- dioxianfetamina), MDMA(3,4-metileno-dioximetanfetamina), DOMou STP(2,5-dimetóxi-4-metilanfetamina), TMA(3,4,5-trimetóxi-metil-anfetamina) e 2-CB(4-bromo-2,5-dimetóxi-fenetilamina).

Terapia psicodélica - O termo psicodélico foi sugerido pelo psiquiatra e pesquisador do LSD Humphrey Osmond, e foi inspirado por sua correspondência com Aldous Huxley. Ele significa literalmente manifestação da mente (derivado do grego psyche e delein = tornar manifesto). A terapia psicodélica difere em diversos aspectos importantes da abordagem psicolítica. Seu principal objetivo é criar condições ótimas para que o indivíduo tenha uma experiência profunda e transformadora de natureza transcendental. Para a maioria das pessoas isto toma a forma de experiência da morte do ego e renascimento, com sentimentos subseqüentes de unidade cósmica e outros tipos de fenômenos transpessoais. Entre os fatores que facilitam tal experiência estão uma preparação especial, uso de dosagens mais elevadas de psicodélicos, internalização do processo pelo uso de vendas nos olhos, música estereofônica de alta fidelidade durante a sessão e ênfase em espiritualidade, arte e beleza natural no local e no contexto da sessão. A troca verbal é limitada aos períodos anterior e posterior às sessões com drogas; durante as experiências psicodélicas, a fala é desestimulada, pois interfere com a profundidade da auto-exploração emocional e psicossomática. Os terapeutas psicodélicos não acreditam em interpretações verbais brilhantes e oportunas ou em outras intervenções que reflitam o sistema de crenças de uma escola particular. Eles encorajam o cliente a abandonar as defesas usuais e a render- se ao potencial curativo espontâneo da dinâmica mais profunda da psique. A maior parte dos psiquiatras e psicólogos que realizou pesquisa clínica com psicodélicos precipitou-se claramente em direção a uma das modalidades de tratamento, psicolítico ou psicodélico. Em minha opinião, ambas as abordagens, praticadas em forma pura, têm desvantagens distintas. Na terapia psicolítica, as desvantagens estão na limitação teórica ao quadro de referência conceitual biográfico da psicanálise freudiana, na falta de reconhecimento das dimensões perinatal e transpessoal da psique e na externalização do processo com uso excessivo de artifícios verbais. Na terapia psicodélica, ao contrário, não se dá suficiente atenção ao material biográfico quando ele emerge nas sessões e se espera demais de uma única experiência transformadora. Para conseguir mudanças terapêuticas significativas em pacientes que sofram de diversas psiconeuroses, distúrbios psicossomáticos e desordens do caráter é necessário um trabalho sistemático ao longo de toda uma série de sessões psicodélicas, embora o uso de uma "única dose avassaladora", que caracteriza a terapia psicodélica, seja geralmente muito eficaz com alcoolistas, viciados em drogas, pessoas deprimidas e indivíduos morrendo de câncer. Na próxima sessão, descreverei a forma de psicoterapia auxiliada por drogas que considero mais eficaz em meu próprio trabalho clínico. Esta abordagem combina as vantagens das terapias psicolítica e psicodélica, e evita suas desvantagens. Seus princípios básicos são muito similares aos da terapia holotrópica que foi descrita detalhadamente num capítulo anterior. Isto não deve ser surpreendente, pois a respiração holotrópica é, conceitual e filosoficamente, um derivado direto do trabalho clínico com psicodélicos. As substâncias psicodélicas são instrumentos extremamente poderosos para abrir as profundezas do inconsciente e as alturas do superconsciente. Elas têm um grande potencial positivo e podem também apresentar grandes perigos, dependendo das circunstâncias. O trabalho com elas deveria ser abordado com grande seriedade e respeito. Como mostra a história do movimento psicodélico, a pesquisa neste campo pode apresentar armadilhas perigosas não só para os sujeitos experimentais, mas também para pesquisadores experientes. Se os psicodélicos forem alguma vez usados novamente na prática clínica, seu uso deveria ocorrer no contexto do trabalho de equipe, com controle e supervisão mútuos.

Alcir Vogel, psicanalista rankiano-ferenckziano, Mestre Magna cum laude em Ciências Cognitivas Tranpessoais, FBI Special’s Agent, FBI (BAU) - Behavioral Analisys Unit, Server of the Interpol and Interpol HQ, and FBI Community Outreach.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Mineiros dependentes de crack aderem ao chá de Iboga para cura do vício

A raiz importada da África é
triturada e o pó misturado com água

Eles dizem ter se livrado do vício após tratamentos em cínica da Grande São Paulo.


Desesperados para se livrar do crack, dependentes químicos e familiares de Minas Gerais estão buscando o tratamento alternativo do chá de iboga em clínicas de recuperação no interior de São Paulo e em Curitiba. A dose, única, custa entre R$ 4 mil a R$ 10 mil e não requer a internação do paciente. Apesar da falta de comprovação científica e dos riscos existentes de ministrar substância sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os viciados em drogas pesadas, como cocaína e crack, recorrem ao uso desse fitoterápico, que seria capaz de eliminar a vontade de usar drogas e a síndrome de abstinência (fissura). 

Relatos obtidos pela equipe de reportagem do Estado de Minas chegam a atribuir à iboga o poder de ‘cura’, de ‘renascimento’, de ‘apagar o passado’. “É uma sensação deliciosa acordar sem a menor vontade de usar droga, sem medo da recaída. A vontade simplesmente apagou-se da minha mente”, comemora o dono de bancas de jornais Wagner do Patrocínio, de 43 anos. Em função do envolvimento com o crack, Wagner caiu na sarjeta – usava até 20 pedras por dia. Ele passou um ano internado, em duas clínicas mas continuou com recaídas. 

Há três meses, Wagner aceitou experimentar a iboga por influência da mulher, Angela Chaves, que descobriu a novidade em Arujá-SP. “Bebi um pó parecido com canela, misturado na água. Na hora, é preciso deitar porque a gente perde o jogo das pernas. Depois, começa a ‘ver’ um monte de cenas ruins. Pessoas sendo esfaqueadas, coisas com chifres, bichos. A sensação dura umas cinco horas. Depois, você toma a segunda dose. Os pensamentos ruins somem e vêm coisas boas, como anjos”, revela ele, que recomendou o tratamento ao colega João Paulo Barbosa Neto, de 34 anos (leia Depoimento). “Voltei a ter vida social com minha mulher e minha filhinha”, diz Wagner. 

O psiquiatra Dartiu Xavier, diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes de Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aplicou a dose de iboga a 75 voluntários. Do total, 51% dos pacientes conseguiram largar a dependência química. “A taxa de sucesso é alta. Chega a ser 10 vezes maior em relação à média de 5% de recuperação registrada nas internações em comunidades terapêuticas”, compara o psiquiatra. 

 Este semestre, o psiquiatra dará entrada no Comitê de Ética da Unifesp com protocolo de estudo científico, inédito no país, na tentativa de comprovar a eficácia do uso da iboga no controle da dependência química em álcool e drogas. Caso seja aprovado, o ensaio clínico deverá comparar a reação dos viciados em crack, divididos no grupo que vai ingerir placebo e no outro, que receberá a fórmula original. “Mas os resultados serão a médio prazo”, alerta o pesquisador. Não há previsão de que, quando finalizados os trabalhos, a iboga possa ter autorização para ser usada como medicação controlada no Brasil.

Fonte: www.em.com.br

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Ibogaína: a droga que cura o vício


Da planta iboga é extraída a ibogaína, uma substância psicodélica que faz sonhar por 12 horas e é cada vez mais usada contra a dependência química

Fausto Salvadori

Deitado numa cama, Wladimir Kosiski, 33 anos, viu, literalmente, sua vida passar como num filme — e descobriu que era um drama ruim. A abertura até prometia: cenas de sua infância e adolescência, o casamento, o emprego como vendedor em uma multinacional em Curitiba (PR), a faculdade, dois filhos... Mas, ao chegar aos 21 anos, o roteiro virava filme B, uma típica história de dependência de drogas, reprisando todos os clichês do gênero. O crack, então, roubava a cena: uma sequência previsível de empregos perdidos, faculdade abandonada e bens vendidos a preço de banana para pagar o vício. E sua carreira de vendedor em multinacional acabou enveredando para a vida de aviãozinho do tráfico em troca de alguns gramas de pedras. 

O filme apareceu como uma espécie de sonho acordado durante as 48 horas que Wladimir passou sob o efeito da ibogaína, uma droga psicodélica, em uma clínica no Estado de São Paulo (que prefere não divulgar o nome). Durante esse tempo, ele ficou sonolento, mas plenamente consciente. Viu nítidas as imagens de sua vida, como se fossem projetadas em uma tela de LCD na parede do quarto, logo acima do médico que o observava sobre a cama. Quando o efeito passou, foi a primeira vez em anos que Wladimir acordou sem a fissura, o desejo incontrolável pela fumaça do crack que ataca os dependentes. Nem o desejo, nem as náuseas e nem as dores comuns desse tipo de abstinência apareceram. “Era como se eu nunca tivesse usado droga nenhuma”, diz o hoje administrador de empresas, que passou pelo tratamento e se livrou da dependência em 2007. 

A substância que ajudou Wladimir é cada vez mais usada em terapias experimentais contra o vício. De 1962, quando começou a ser testada em dependentes químicos, até 2006, 3.414 pessoas usaram a ibogaína, obtida a partir da raiz de um arbusto africano, a iboga, para fins terapêuticos. Só nos últimos quatro anos, no entanto, 7 mil pessoas passaram pelas terapias, de acordo com dados preliminares de um estudo do Dr. Kenneth Alper, da New York School of Medicine, nos Estados Unidos. O número de tratamentos cresceu tanto que provocou uma escassez da substância, ainda produzida de maneira artesanal, no mundo. 
Wladimir Kosiski, 33 anos: diz estar livre do crack após ter ficado 48 horas sob o efeito da ibogaína
Crédito: Carolina Pessoa

AVAL DA CIÊNCIA> Boa parte dos cientistas torce o nariz diante da ideia de se usar uma fortíssima droga psicodélica para se tratar dependentes químicos. Porém, o crescimento no número de terapias bem-sucedidas e o início de novos estudos deram mais credibilidade à prática. Um deles começou em julho, conduzido pela Associação Multidisciplinar para Pesquisa de Psicodélicos (MAPS, na sigla em inglês), de Santa Cruz, na Califórnia. De acordo com a entidade, trata-se da primeira pesquisa sobre os efeitos de longo prazo da ibogaína na luta contra o vício. O levantamento é feito em cima de usuários de heroína, tratados com a droga por uma clínica do México, a Pangea Biomedics. O interesse dos pesquisadores surgiu após estudos que mostram os benefícios da prática. “Há cada vez mais aceitação por parte da comunidade científica”, afirma Randolph Hencken, diretor de comunicação da MAPS. Os pacientes da Pangea são, em boa parte, americanos que cruzam a fronteira para receber um tratamento considerado ilegal nos EUA (embora a pesquisa seja permitida por lá).
Já no Gabão, é considerada tesouro nacional. Na África Central, curandeiros usam a raiz em rituais contra as chamadas “doenças do espírito”.
Um deles, da religião Bouiti no Camarões, faz com que o participante coma uma grande quantidade de iboga (que pode chegar a 500 g) enquanto um grupo canta, toca e dança a noite inteira. A cerimônia de três dias pode produzir um coma induzido — o que é entendido como uma viagem ao mundo dos mortos. O objetivo, dizem, é receber revelações, curar doenças ou comunicar-se com aqueles que já morreram. Trabalho da antropóloga paulistana Bia Labate, que estudou a droga, afirma que “acredita-se que os pigmeus tenham descoberto a iboga em tempos imemoriáveis”. 
O EFEITO> Ainda não se sabe exatamente como essa substância atua no combate à dependência, mas dezenas de pesquisas em animais e humanos indicam que age em dois níveis: tanto na química cerebral como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração do tecido nervoso e estimula a criação de conexões neuronais. Isso permitiria reparar áreas do cérebro associadas à dependência, além de favorecer a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer. Isso explicaria o desaparecimento da fissura relatado pelos dependentes logo após sair de uma sessão. 

Na outra frente, a ibogaína promoveria uma espécie de psicoterapia intensiva ao fazer o paciente enxergar imagens da própria vida enquanto a mente fica lúcida. Estas visões não seriam alucinações, como as imagens de uma viagem de LSD. É como sonhar de olhos abertos, o que ajudaria os dependentes a identificar fatores que os teriam empurrado para as drogas em determinados momentos da vida. Estudos com eletroencefalogramas feitos pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, apontaram que ondas cerebrais de um paciente que tomou ibogaína têm o mesmo comportamento daquelas de alguém em REM (a fase do sono em que sonhamos). “O sonho renova a mente e, se no sono comum temos apenas cinco minutos de sonho a cada duas horas, na ibogaína são 12 horas de sonho intensivo”, aponta o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, que estuda o tema desde 1994 e participará da pequisa da Unifesp. 

RISCOS> No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que não há restrições legais à ibogaína, mas seu uso como medicamento não está regulamentado. Por isso, os tratamentos são considerados experimentais e as clínicas não fazem propaganda. A importação é feita pelos próprios pacientes, que pagam cerca de R$ 5 mil por uma sessão com o derivado da raiz. Após passar por exames médicos, o dependente ingere as cápsulas, deita-se em uma cama e deixa sua mente navegar pelos efeitos, que podem durar até 72 horas. Durante esse tempo, médicos monitoram o paciente. Vale dizer que a literatura médica registra 12 óbitos associados ao uso de ibogaína nas últimas quatro décadas, provocados por diminuição na frequência cardíaca (o equivalente a uma morte a cada 300 usuários). No entanto, estudos de Deborah Mash, neurologista da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, que já acompanhou o tratamento de cerca de 500 pacientes, apontam que não há registro de morte por ingestão de ibogaína em ambiente hospitalar. É preciso que o paciente chegue “limpo” à sessão. “As mortes registradas ocorreram em tratamentos de fundo de quintal, em que as pessoas fizeram uso concomitante de ibogaína e outras substâncias”, afirma Chaves. 

NÃO HÁ FÓRMULA MÁGICA> Estudiosos e pacientes avisam: a droga não é uma poção mágica. Para se livrar da dependência, Wladimir Kosiski aliou o tratamento à psicoterapia e mudança drástica de hábitos. Voltou a trabalhar, a estudar e nunca mais pisou no local onde comprava crack. Não foi isso o que fez o professor Gilberto Luiz Goffi da Costa, 44 anos, que se tratou com ibogaína pela primeira vez em 2005. Viciado em drogas desde os 14 anos, Gilberto já acumulava 18 tratamentos fracassados contra dependência. Volta e meia, dormia nas ruas de Curitiba e praticava roubos para comprar crack: já havia sido preso cinco vezes. Após usar ibogaína, achou que estava curado. “Tive uma sensação de bem-estar, mas é um efeito que se perde depois”, afirma. Estava livre do desejo, mas continuou a frequentar os mesmos ambientes e amigos com quem dividia drogas. Em pouco tempo, foi dominado novamente pelo crack. “A ibogaína retira a fissura, mas a pessoa pode continuar a usar droga mesmo sem vontade, como alguém que estraga um regime por gula, não por fome”, diz Chaves. Gilberto só conseguiu permanecer “limpo” após a terceira vez que se tratou, em 2008, quando aliou a substância a uma troca completa de atitudes, seguindo o método dos Narcóticos Anônimos. Sem consumir drogas há dois anos, hoje dá aulas de línguas e é consultor no tratamento de outros dependentes. Ao contrário da viagem pelo mundo dos mortos em uma sessão dos rituais africanos, a ibogaína ajudou o curitibano, pouco a pouco, a permanecer no mundo dos vivos.
Fonte: Revista Galile

terça-feira, 22 de julho de 2014

Ação da Ibogaína

A ibogaína tem denominação química e 12-metoxibogamina. Pesquisas feitas em humanos e animais indicam que a erva age em dois sentidos, por um lado ela age na química cerebral, estimulando a produção da proteína GDNF, que promove a regeneração do tecido nervoso e estimula a criação de conexões neuronais.
Isso permite que áreas do cérebro relacionadas com a dependência sejam reparadas e assim estimula a produção de neurotransmissores responsáveis pela produção do prazer; a serotonina e a dopamina. São essas substancias que podem explicar o desaparecimento da fissura pela droga relatada por dependentes logo após uma sessão.
Estudos preliminares também mostram que a ibogaína pode ajudar no tratamento do alcoolismo. Durante a pesquisa, ratos e camundongos foram induzidos ao consumo de álcool em doses diárias ate habituarem-se a bebida. Os testes com Ibogaína demonstraram uma queda efetiva no consumo de álcool pelos roedores, diretamente relacionado ao aumento da produção de uma proteína pelo cérebro, o GDNF.
De acordo com o italiano Antonio Bianchi, médico e toxicólogo em produtos naturais, a ibogaína "age sobre uma quantidade de receptores neuronais. Sua característica fundamental e a sua ação sobre a NMDA (N-metil-D-aspartate). Estes receptores estão presentes, sobretudo em duas áreas: o HIPOCAMPO, que controla a memória e as recordações, e a SENSIBILIDADE PROPRIOCEPTIVA, parte responsável pela sensação que temos do nosso corpo físico." Se estes receptores são bloqueados, a pessoa constrói uma imagem do "eu" que não esta relacionada com o eu físico, ou seja, está fora do corpo. Este seria o mecanismo neurofisiológico da "viagem astral", o ponto de encontro entre a teoria nativa e a científica. Nestas condições, o homem tende a construir aquilo que e definido como uma bird eye image, ou seja, o sujeito assume uma projeção de si mesmo a partir de uma posição do alto>>, afirma o médico.
Uma vez que a ibogaína chega ao fígado, torna mais fácil sua ação de distribuição e melhor atuação celular. Vários fatores simples podem evitar que baixe a ação da ibogaína no corpo. Isso pelo fato de que quanto menos ela tiver que "brigar" com outras enzimas para diminuir sua ação, maior sera o resultado de sua atuação no organismo.
Ela produz efeito terapêutico acumulativo no tecido adiposo que é liberada lentamente no organismo. O efeito da substância pode ser sentido por vários dias.
A taxa média de eficácia da Ibogaína para tratamento da dependência de crack é de 80%, que é altíssima, principalmente se lembrarmos de que, além de ser uma doença gravíssima, as taxas de sucesso dos tratamentos tradicionais é de 5%. O fato é que a Ibogaína é hoje, de longe, o tratamento mais eficaz contra a dependência. Feito com os cuidados necessários, é seguro, eficaz, e não existem relatos de sequelas, nem físicas, nem psicológicas.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Iboga: Nem droga, nem divertimento

Em alguns anos, o interesse pela iboga se desenvolveu consideravelmente do qual atesta a riqueza dos sítios que lhe são consagrados. É tudo ao mesmo tempo, uma substância onirofrênica, um remédio para a dependência (heroína, crack, cocaína, álcool) e uma planta iniciadora no Bwiti africano.
O francês Jean-Claude Cheyssial consagrou-lhe dois documentários: A madeira sagrada, em 1995 e a noite do Bwiti, em 1997. Mais recentemente, Vincent Ravalec, Mallendi e Agnès Palcheler escreveram a seis mãos Madeira Sagrada, Iniciação ao Iboga, 2004, livro que se acompanha de recomendações constantes: “a iboga não é nem uma droga, nem um divertimento...”. Estas advertências fazem-se o eco da noite dos Bwiti a propósito das virtudes curativas da planta.
Impossível de classificar com efeito a iboga nas drogas recreativas. Aos antípodos* do divertimento, ela não convida a fugir à realidade mas opera um encontro com o si mesmo, com o seu inconsciente, e com os antepassados. A sua utilização é ritual. Acompanha sempre um rito de passagem: morte do velho homem e renascimento, renunciar ao velho homem, é renunciar à sua doença ou à sua dependência. É, por outro lado, a esse respeito que apaixona a comunidade científica que se interroga sobre os mecanismos da desintoxicação das drogas.
Em 1998, Anderson emite a hipótese segundo a qual a Iboga, ingerida num quadro xamânico ou psicoterapêutico induz um estado que se aparenta ao sono paradoxal do feto, e é caracterizado pela sua plasticidade; esta permite que as experiências traumatizantes sejam restauradas e integradas.
Ora, precisamente, Michel Jouvet, biólogo especializado na fase do sono paradoxal desenvolve a seguinte hipótese: O sonho aparece como “uma reprogramação do cérebro”. Com efeito, é responsável pelo “software”; permite reconfigurar e reiniciar o sistema. Consequentemente é o vigia dos nossos programas em matéria de hábitos, de necessidade, da individualização.
Esta metáfora é utilizada nos seminários onde se toma iboga: os testemunhos falam de programação, de processos a suprimir. Um dos participantes vindo depois de uma ruptura sentimental muito difícil explica que quando deixou o sítio, era como se as conexões neurológicas relativas a esta prova tinham sido eliminadas, como se o acontecimento nunca se tivesse produzido. É uma limpeza dos circuitos neurológicos, uma espécie de redução a zero dos contadores.
Outra propriedade interessante da iboga, é a possibilidade de manipular o material imaginário que seja pelo terapeuta, o nganga ou o participante. Continua a ser possível parar diante de uma imagem, de voltar para trás, de estudar uma alternativa. Em qualquer momento, a experiência pode ser dirigida. Não há nenhuma perda de consciência.
A disposição do espírito no qual se toma a iboga desempenha um papel muito importante. Para os africanos do oeste atua num rito de passagem. A madeira sagrada permite desfazer-se dos bloqueios psicológicos e sociais acumulados durante a infância, de comunicar com meu eu interior e de obter uma direção de vida.


*Antípodo: S.m. Habitante de um lugar da Terra diametralmente oposto ao de outro lugar. 
Fig. Contrário, oposto. 
Adj. e s.m. e s.f. Oposto, antitético.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Os rituais de iniciação da tradição do Bouiti

Atualmente a iboga é utilizada por curandeiros tradicionais dos países da bacia do Congo e na religião do Bouiti na Guinea Equatorial, Camarões e sobretudo no Gabão, onde membros importantes das hierarquias políticas e militares do país são adeptos. Aproveita-se principalmente a casca da raiz mas também atribui-se propriedades medicinais às folhas, a casca do tronco e a raiz. No Gabão, a raiz e a casa da raiz são encontradas facilmente nas farmácias tradicionais e nos mercados das principais cidades. Existe aí uma ONG dedicada inteiramente a iboga. Se mantida a tendência atual, a coleta da espécie selvagem está colocando-a em risco de extinção. A iboga pode ser utilizada sozinha ou em combinação com outras plantas. Ela é empregada no tratamentos da depressão, picada de cobra, impotência masculina, esterilidade feminina, AIDS e também como estimulante e afrodisíaco. Na crença dos curandeiros locais, é eficaz também sobre as "doenças místicas", como é o caso da possessão.
Tonye Mahop, pesquisador do Jardim Botânico de Limbe, conta que "existem vários registros de cura da dependência de cigarro, de mganga (marijuana africana) e de fofo (um álcool local concentrado, feito de vinha de palmeira) com a iboga nos cultos do Bouiti. O problema é que os informantes não contam bem como preparam e usam a planta, tem uma parte do conhecimento que fica sempre em segredo".
Existem dois tipos de Bouiti: o tradicional (que rejeita o cristianismo) e o sincrético, o mais difundido. O primeiro é praticado pelos Mitsogho e o segundo pelos Fang, ambos grupos Bantu. É provável que durante o século XIX os pigmeus tenham transmitido seus conhecimentos aos Apindji, que os teriam passado por sua vez ao Mitsogho, ambas populações do sul do Gabão. Estes grupos elaboraram durante o século XIX um culto dos mortos, o Bouiti tradicional. O Bouiti sincrético ou Fang foi elaborado na época da primeira guerra mundial. Ele é produto de influências do Bouiti tradicional; do culto ancestral tradicional dos Fang, o Bieri (que utilizava uma outra planta alucinógena), e da evangelização cristã, sobretudo católica. Atualmente há nove ramas do Bouiti. Existe um outro culto que utiliza a ioga, o Abri, até hoje pouquíssimo estudado. Este é comandado por mulheres e se dedica ao tratamento de doenças com ioga e outras plantas medicinais.
Abada Mangue Clavina é presidente da Associação Bombo Ima et Bandeei (ASSOKOBINAC) dos Camarões e líder de uma igreja Bouiti Dissumba Mono Bata em Yaounde, cuja base é o núcleo familiar composto por suas duas mulheres e 10 filhos. Há prières todos os sábados. De acordo com ele, existe um tratamento específico para a tóxico-dependência com o uso da iboga, que dura dois ou três dias, dependendo do paciente e da gravidade do problema. São ministradas duas, três ou quatro colheres de café (4 a 8 g) de um pó da casca da raiz (essa é raspada e picada). A "iboga purifica o sangue. Temos obtido sucesso em 100% dos casos". Os casos mais difíceis podem exigir a realização de iniciação, que tem como custo 200.000 mil francos centro africanos (CFA) em oposição aos 50 mil empregados no tratamento ordinário.2
A iniciação dura três dias. Na abertura, o candidato confessa todos os seus pecados e toma um banho ritual. Este momento clímax da vida do bouitisita é marcado pela ingestão em jejum de uma enorme quantidade de eboka (pode chegar a 500g) e de ossoup, uma espécie de chá frio feito com a raiz da planta. O grupo acompanha o neófito durante a prière, onde todos cantam, tocam e dançam noite a dentro.
A iniciação tem como objetivo produzir um coma induzido - os estudiosos ainda não conseguiram definir com precisão o tempo de duração deste. De acordo com os praticantes, em algum momento o espírito sai do corpo e viaja para o plano da criação, para o "lado de lá", isto é, visita o mundo dos mortos. Pode receber revelações, curas ou se comunicar com os seus ancestrais. A citar, a "harpa sagrada", orienta a viagem e traz o espírito de volta para o corpo. Terminada a cerimônia, o sujeito, renascido com uma nova identidade - Bandzi, 'aquele que comeu' - deve relatar detalhadamente as suas visões e experiências. A diferença do ritual Bouiti com outros rituais de passagem tradicionalmente estudados pelos antropólogos, é que neste caso, a morte é quase real (e não metafórica ou simbólica), pois explora-se o limite concreto entre vida e morte.
A curandeira Nanga Nga Owono Justine, iniciada há 25 anos na rama Dissumba do Bouiti, explica: "A Eboka é uma ciência que corrige. Ela é como uma porta que se abre somente quando uma pessoa morre. Os negros tiveram a fortuna através da Eboka de visitar o lugar para onde iremos quando morreremos, só que antes de morrer - é uma ocasião de se transformar." Sua mãe, a anciã Bilbang Nga Owono Christine, acrescenta: "para se curar você tem que estar convencido, é você mesmo que se cura. Precisa da intenção, da eboka e da fé em Deus, que é o maestro de tudo". Lembrando a sua própria iniciação, época em que tinha uma "doença nos olhos", contou que "uma estrela me guiou até um hospital no lado de lá, onde eu fui operada dos olhos. Vi o meu espírito saindo do meu corpo e os médicos me operando. Voltei curada".
Podem ocorrer morte nos rituais de iniciação do Bouiti. Segundo Calvin, isto pode acontecer devido a diversos fatores. Um deles é a incompetência ou falta de capacidade do guerriseur. Outro é que a eboka não pode ser administrada para um doente que esteja demasiado debilitado fisicamente. Finalmente, "se doente que faz a iniciação é um bruxo, durante viagem astral o seu espírito quer para ir para a zona da obscuridade. Ele pode se perder e no caminho e não conseguir voltar, causando a morte do corpo físico". Os Fang conhecem um antídoto, uma folha que anula o efeito da eboka, a qual chamam Ebebing.
Fonte:Viagem ao encontro da Iboga (Bia Labate)


* Bouti é a grafia em francês; em inglês é Bwiti e em português seria Buiti. Resolvi manter no original por via das dúvidas.
* Em fevereiro de 2001, 1 U$ dólar eqüivalia a 720 CFA.


Uso de substâncias psicodélicas

Ao longo dos anos, muitos estudos ficaram estacionados devido à falta de informação, conhecimento e criminalização. Já foi constatado que o ...